Tok&Stok fecha lojas em shoppings em meio a reestruturação e crise do setor

Após trocas sucessivas de CEO e planos frustrados de IPO, varejista controlada pela SPX enxuga a operação enquanto busca renegociação com credores para dívida de R$ 600 mi

A Tok&Stok, maior varejista e uma das mais tradicionais do mercado brasileiro de móveis e acessórios de decoração, decidiu acelerar o fechamento de lojas deficitárias ou com menor margem, enquanto busca a renegociação com credores de uma dívida estimada pelo mercado de R$ 600 milhões. Os resultados relativos ao ano fechado de 2022 ainda não foram divulgados.

Depois do encerramento das atividades da concorrente Etna no ano passado, com modelo semelhante com foco em lojas físicas, o setor vive seu momento mais desafiador desde o início da pandemia em 2020, com queda nas vendas, segundo fontes ouvidas pela Bloomberg Línea.

Na terça-feira (11), a Tok&Stok, que tem a SPX Capital como acionista controladora depois que esta adquiriu os negócios de private equity da Carlyle no Brasil em maio de 2021, confirmou a decisão de fechamento de duas lojas: duas em Fortaleza, no Ceará. Outra unidade em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, também fechará as portas, segundo apurou a Bloomberg Línea.

Os shoppings afetados nas duas capitais terão que achar novos inquilinos para os espaços, que serão desocupados no final deste mês. No Praia de Belas Shopping, controlado pelo Iguatemi (IGTI3) em região nobre de Porto Alegre, funcionários também informaram à imprensa local que a unidade será fechada. O Iguatemi não respondeu ao pedido de comentários.

A companhia segue um caminho percorrido semelhante ao da Etna, que começou a desativar sua operação pelo Nordeste em agosto de 2021, antes de decretar o fim das atividades em março de 2022, após 17 anos no mercado e tentativas frustradas de encontrar um novo dono.

A Tok&Stok contratou em fevereiro a consultoria especializada Alvarez & Marsal para uma reestruturação financeira, e a alternativa de um pedido de recuperação judicial está na mesa, disse uma pessoa a par do assunto que pediu anonimato, pois as discussões são privadas.

Segundo outra fonte, o objetivo fundamental da reestruturação é melhorar as margens e voltar a gerar caixa, ao mesmo tempo em que busca renegociar a dívida, concentrada em quatro bancos e com vencimento no curto e no médio prazos. A empresa tem conseguido manter as receitas, que fecharam o ano passado acima de R$ 1 bilhão, mas há dificuldades para a geração de caixa.

Procurada pela Bloomberg Línea, a Tok&Stok disse que não vai se pronunciar. Apenas confirmou o encerramento de duas lojas em Fortaleza. A SPX, acionista controladora da empresa, não respondeu ao pedido de comentário.

Investimentos e IPO frustrado

Para entender a crise financeira atual da Tok&Stok, é necessário dar um passo atrás e voltar ao começo da gestão de Octávio Pereira Lopes, que assumiu em setembro de 2020 com a missão específica do Carlyle de realizar um IPO (oferta inicial de ações).

O fundo americano havia comprado 60% do capital em 2012 por R$ 700 milhões, do casal de franceses Régis e Ghislaine Dubrule, que fundaram a Tok&Stok em 1978, e perseguia um evento de saída.

O executivo promoveu investimentos em tecnologia e contratações, por exemplo, para que a companhia se preparasse para uma oferta e reduzisse a dependência quase que total de lojas físicas. Em 2019, ano pré-pandemia, as vendas por canais digitais responderam por cerca de 10% das vendas.

Mas o plano de IPO não vingou: a empresa decidiu ir ao mercado no fim de 2020, no mesmo momento em que concorrentes com crescimento mais acelerado e modelos de vendas digitais mais eficientes também buscaram abrir o capital. A elevada dependência de lojas físicas em um contexto em que a economia ainda se ressentia das medidas de restrições à circulação também pesou.

A Mobly (MBLY3) concluiu um IPO que movimentou R$ 812 milhões no começo de fevereiro de 2021; uma semana depois, foi a vez da Westwing (WEST3), cujo IPO teve volume de R$ 1,16 bilhão. Ou seja, na disputa de investidores pela mesma tese, a Tok&Stok, embora maior em tamanho, líder nas classes A e B e de marca mais conhecida, foi preterida por rivais muito mais novos. Era um sinal de suas dificuldades.

A piora das condições de mercado no segundo semestre de 2021 fechou de vez não só a janela para IPOs como as chances de captação ou de venda de parte do capital. O Carlyle, por sua vez, desistiu não só da Tok&Stok como também do Brasil, ao negociar sua operação com a SPX.

Em setembro do mesmo ano, Pereira Lopes decidiu aceitar convite para assumir a Light (LIGT3), empresa de energia do Rio de Janeiro também em dificuldades financeiras, deixando inacabada a sua missão de levar a Tok&Stok para o IPO. Segundo uma fonte, ele não conseguiu concluir tampouco o processo de turnaround, a exemplo de outros três executivos que comandaram a empresa em cinco anos.

Em agosto passado, a varejista começou a reduzir o quadro de pessoal, com dezenas de demissões, segundo a pessoa ouvida pela Bloomberg Línea.

Neste começo de ano, houve especulações no mercado sobre uma hipotética fusão entre a Tok&Stok e a Mobly, que envolveria ganhos de sinergias entre as partes em pontos como negociação com fornecedores, mix de lojas no modelo omnichanel e atuações complementares por faixa de renda.

Segundo outra fonte do mercado, um obstáculo importante, no entanto, é a dívida já citada de R$ 600 milhões da Tok&Stok, enquanto a Mobly não tem dívidas e, no quarto trimestre de 2022, passou a gerar caixa em vez de queimar.

Tanto Mobly como Westwing enfrentam as suas dificuldades particulares diante da queda das vendas e adotam receituários que guardam semelhanças para manter a operação, como preservar caixa, não contrair dívidas e buscar a rentabilidade, ainda que à custa da desaceleração do crescimento. Nos dois casos, as ações acumulam desvalorização da ordem de 65% em 12 meses.

Já a MadeiraMadeira, outra competidora do mercado e um unicórnio – startup de capital fechado avaliada em US$ 1 bilhão ou mais -, demitiu perto de 100 funcionários, no mês passado.

Nesse setor, a Camicado, rede de lojas de artigos de casa e decoração da Lojas Renner (LREN3), com atuação muito mais limitada, é apontada por analistas como o player mais bem posicionado por ser controlado por um grupo com abrangência nacional e marca forte. O papel da Renner cai 25% no ano.

A Tok&Stok foi uma das principais apostas do Carlyle, do bilionário norte-americano David Rubenstein. Em 2021, a SPX Capital, gestora cofundada por Rogério Xavier (ex-BBM e ex-banco Garantia), assumiu as operações do Carlyle no Brasil em um momento de crescimento e de diversificação e internacionalização dos negócios. Entrar em private equity era um caminho natural para a gestora.

Em anos passados, o Carlyle já havia aportado em empresas brasileiras como a operadora de turismo CVC (CVCB3), a rede de restaurantes Madero e a varejista de brinquedos Ri Happy. As três empresas também operam com níveis mais altos de alavancagem. Em São Paulo, a Ri Happy, por exemplo, tem negociado redução de aluguel com administradoras de shopping, segundo essa fonte.

Procurada pela Bloomberg Línea, a Ri Happy não respondeu a um pedido de comentários.

Varejo brasileiro

Há uma onda de empresas do varejo brasileiro em dificuldades financeiras, ainda que em situações distintas a cada caso. Segundo especialistas, trata-se de uma combinação que envolve gestão que não evitou a situação delicada de endividamento, aumento do custo de capital e desaceleração das vendas.

O caso mais notório, que envolve ainda a suspeita de fraude e, portanto, é único por si só, é o da Americanas (AMER3), que pediu recuperação judicial em janeiro com dívidas de cerca de R$ 42 bilhões uma semana de revelar ao mercado um rombo contábil da ordem de R$ 20 bilhões.

Outro caso é o da Marisa (AMAR3), que planeja fechar 30% das lojas (92), além da plataforma de moda online Amaro e da tradicional Livraria Cultura – esta em recuperação judicial desde 2018 e que chegou a ter a falência decretada pela Justiça em fevereiro.

Há casos de empresas em melhor situação financeira mas que estão adotando medidas para fortalecer a operação. É o caso do grupo SBF (SBFG3), dono da rede Centauro, que fechou dez lojas no começo do ano em medida para reduzir custos e melhorar margens, mas que também tem investido em crescimento.

Fonte: Bloomberg Línea

Rolar para cima
Rolar para cima