Os pedidos de recuperação judicial e falência cresceram neste início de 2023, em ambiente de juros altos e crédito mais restrito pelos bancos. A tendência vai muito além de grandes empresas, como a Americanas, e parece estar longe de mudar, segundo especialistas.

Entre janeiro e março deste ano, foram 289 pedidos de recuperação judicial, segundo a Serasa Experian. Em 2022, nesse mesmo período, foram 210 —um aumento de 37,6%.

No caso das falências, o crescimento é ainda maior. Segundo a Serasa, no primeiro trimestre deste ano, foram 255 requerimentos feitos, contra 177 em 2022, um aumento de 44%.

“Com o agravamento da inadimplência das empresas, que cresce desde setembro de 2021, era inevitável que elas chegassem neste patamar. Ainda que a curva de crescimento do atraso nos compromissos financeiros das companhias desacelere, é possível que a insolvência das empresas continue crescendo”, avalia o economista da Serasa Experian, Luiz Rabi.

Antonio Nachif, sócio da área de Resolução de Conflitos do Dias Carneiro Advogado, há um efeito “bola de neve” que acaba piorando o cenário. “Grandes empresas entram em recuperação judicial, param de pagar suas dívidas, e os credores acabam tendo problemas financeiros e também precisam recorrer à recuperação”, afirma.

Para Nachif, a tendência é que o número de empresas nesta situação continue subindo neste ano. “Inclusive devemos ver mais falências. O processo de recuperação judicial é muito rígido. Se não cumprir os prazos, não há mais saída”, diz o advogado.

O escritório Dias Carneiro atende principalmente credores de empresas em recuperação judicial, segundo Nachif. Ele aponta algumas alternativas que podem até mesmo evitar todo o processo.

“Pode haver uma negociação direta com os credores, fora do processo. Esta negociação pode acontecer com a mediação de uma terceira parte. Há também a opção da recuperação extrajudicial, quando o juiz só homologa o acordo já fechado com os credores.”

Max Mustrangi, sócio fundador da Excellance, empresa que atua reestruturação de empresas, afirma que é necessário dar um verdadeiro choque de gestão nas empresas.
 
“Elas nos procuram já numa situação muito complicada. Nós tiramos o presidente e os diretores, assumimos a companhia, e executamos um plano que muda as estratégias enquanto ocorre a renegociação das dívidas”, diz Mustrangi.
 
O fundador da Excellance afirma que, a partir do momento em que assume o comando do negócio, as conversas com os credores mudam radicalmente.
 
“As empresas familiares são muito resistentes, é difícil lidar com elas. Então, o contrato que fecho com esses grupos é muito duro. As captações de recursos são negociadas pessoalmente comigo.”
 
A TCP Partners, boutique de investimentos que atua na reestruturação de empresas, atua de forma semelhante.
 
“Colocamos quatro ou cinco pessoas para fazer o diagnóstico, e depois é feito um plano. Assumimos a execução desse plano, com esses profissionais assumindo a presidência, a diretoria financeira, e até o marketing”, conta Ricardo Jacomassi, sócio economista da TCP Partners.
 
Tanto Mustrangi quanto Jacomassi afirmam que a procura pelos serviços das empresas que comandam aumentou muito no primeiro trimestre deste ano.
 
“Dá para dizer que mais da metade do problema de uma empresa está no acionista. Por isso nós tiramos o comando. Todas têm em comum pessoas erradas no comando”, afirma Mustrangi.
 
Jacomassi, da TCP, afirma que o índice de sucesso na recuperação de empresas em dificuldades é de 80%. Mas ele faz questão de ressaltar o que leva ao insucesso de 20% dos casos que atende. “O controlador quer mudar o plano proposto, e consegue. Há um apego emocional, o acionista não quer abrir mão do poder de decisão. A situação piora ainda mais.”
 
Outra característica comum neste tipo de serviço é atender poucos casos, por conta da complexidade dos problemas a serem resolvidos.
 
“Atualmente, a TCP trabalha em três casos. Um grupo hospitalar da região Norte, uma empresa do setor de plásticos, e outra de serviços de limpeza. Somadas, elas têm cerca de 25 mil colaboradores”, afirma Jacomassi.
 
“Tenho uma equipe pequena, e eu entro na administração. Difícil atender muitos ‘pacientes’ por vez. Já fiz esse trabalho com cerca de 15 empresas, com 100% de sucesso”, afirma Mustrangi, que trata as companhias que atende como pacientes, já que elas “já estão na cova” quando o procuram.
 
Para Mustrangi, o modelo de recuperação judicial no Brasil torna muito difícil a retomada efetiva das empresas.
 
“Não atua na causa do problema. Vende todas as partes nobres, e sobra praticamente nada. O caminho natural é a falência”, afirma.
 
Fonte: Folha de São Paulo