‘Embora sejam empresas segregadas, dívida não é’, diz presidente da Light sobre recuperação judicial da holding

Octavio Lopes explica que concessionária e distribuidora manterão pagamento de tributos, a fornecedores e a trabalhadores. E que investidores terão deságio diferente dependendo de seu perfil

Com R$ 11 bilhões em endividamento, a Light S.A., holding que protocolou na manhã desta sexta-feira seu pedido de recuperação judicial no Rio de Janeiro, quer garantir a extensão dos efeitos de proteção contra a execução de dívidas a suas subsidiárias que são concessionárias de serviços públicos.

Isso garantiria a cobertura da Light Sesa, sua distribuidora de energia e responsável por R$ 9,4 bilhões da dívida total. As ações despencam quase 18% na Bolsa.

A legislação brasileira impede que concessionárias de energia elétrica peçam recuperação judicial. Por isso a empresa recorreu à estratégia de usar o mecanismo para a sua holding, a Light S.A.

Octavio Lopes, presidente da Light S.A., explica que em conversas já realizadas com credores ficou “transparente que uma reestruturação 100% extrajudicial não seria possível”, seria um processo que se estenderia por meses.

— A questão é que, embora as concessionárias sejam empresas segregadas, a dívida não é. Todo o endividamento passa pela holding (Light S.A.), que é codevedora de toda a dívida. Assim, o que acontece com uma subsidiária impacta na outra. Então, precisamos de proteção judicial porque não temos dinheiro para cumprir o cronograma de pagamento de dívidas previsto em contrato — diz o executivo.

Apesar disso, ele afirma que o cronograma de operação e a previsão de investimento de R$ 800 milhões na operação da Light este ano estão mantidos.

O pedido de recuperação enviado a 3ª Vara empresarial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em petição assinada por um grupo de advogados dos escritórios Galdino & Coelho, Pimenta, Takemi, Ayoub e também do Salomão, Kaiuca, Abrahão, Raposo e Cotta.

Operação mantida

A legislação em vigor no país impede que concessionárias de serviços públicos de energia peçam recuperação judicial. A opção para elas é entrar em um regime de intervenção conduzido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (a Aneel).

Com isso, a opção foi preservar as concessionárias operando em separado, de forma a garantir a manutenção de todos os pagamentos obrigatórios e investimentos necessários para a prestação e expansão do serviço. No escopo da recuperação judicial entrariam as dívidas financeiras da distribuidora e da geradora de energia.

E os pagamentos exigidos pela concessão pública serão mantidos, diz a empresa.

Luiz Roberto Ayoub, sócio do Galdino & Coelho, Pimenta, Takemi, Ayoub Advogados, alega que o pedido apresentado à Justiça não ofende a lei:

— A Light S.A. estará em recuperação judicial, mas a Light Sesa (distribuidora) e a geradora estarão na recuperação judicial até que a dívida financeira seja equacionada. Isso preserva as concessões, evita agressão ao patrimônio dessas concessionárias de forma a garantir o cumprimento de obrigações intersetoriais e o abastecimento de energia, serviço público que é prestado com qualidade pela companhia.

Ele explica que dois casos ocorridos no país em recuperação judicial, o da Universidade Metodista e o da construtora Abengoa, usaram essa modelagem, que foi reconhecida pela Justiça.

Lopes explica que a companhia foi empurrada para o pedido de proteção à Justiça em razão de um pequeno grupo de credores:

— A cautelar que obtivemos na Justiça em abril teve efeitos positivos porque permitiu o engajamento efetivo de parcela dos credores, entre financeiros e bondholders. Também houve conversas construtivas com instituições financeiras que gerem portfólios de clientes investidores — pontua ele. — Mas há um número pequeno de gestoras, com uma parcela de 5% da dívida, extremamente agressivas. Mas quem se beneficiaria fazendo a Light ter de pagar R$ 11 bilhões? Não temos R$ 11 bilhões escondidos, somos uma corporation.

Uma corporation é uma empresa com o capital pulverizado, ao invés de estar concentrado na mão de um ou mais controladores.

O ex-deputado federal Ronaldo Cezar Coelho é o maior acionista da Light, com 20% de participação. O bilionário Carlos Sicupira, sócio da 3G Capital e que também é um dos maiores acionistas da Americanas, detém cerca de 10% de participação na Light.

Após o pedido de suspensão de pagamentos pela Light, apresentado no mês passado à Justiça, credores e instituições recorreram da medida, que acabou mantida.

Deságios diferentes

O executivo reconhece que haverá uma negociação complexa à frente pelo grande número de credores. E que a ideia é que a proposta de reescalonamento de pagamentos e reestruturação financeira tenha dois principais pilares. O primeiro é segregar a Light Energia, sem a necessidade de ter uma redução de dívida. O outro é voltado para a distribuidora:

— A Light Sesa vai demandar um leque de opções porque tem credores com interesses diferentes. Clientes de investimento de grande porte, sem necessidade de liquidez imediata e que querem receber o principal em algum momento, terá uma proposta. Os menores, que têm necessidade de liquidez, e há muitas assets sob pressão diante da alta de juros, terão outras opções. Vai haver algum tipo de deságio. Para os pagamentos (de dívida) de liquidez mais imediata, essa perda será mais efetiva.

O executivo voltou a reforçar que o foco é preservar a concessão e a prestação de serviço com qualidade aos consumidores. A Light cobre uma área com população superior a 11 milhões de pessoas no Estado do Rio. Pagamentos a fornecedores, trabalhadores, tributos e obrigações setoriais serão mantidas.

Tanto Lopes quanto os advogados que acompanham a empresa, aí incluídos profissionais do BMA, vêm se reunindo com a Aneel. Nesta sexta-feira, a agência informou que a Light segue em dia com suas obrigações previstas em contrato, mas afirmou que concessionárias de energia não podem entrar em regime de recuperação judicial.

— Assim como no caso da Americanas, a tensão tende a diminuir e todos tendem a entender o que se quer com esse processo. Hoje, o problema é de endividamento. A operação está preserva. O cenário econômico é de concessionárias devolvendo concessões. Então, entendo que é hora de nos irmanarmos em busca de algo melhor — diz Ayoub.

Fonte: O Globo

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