Após demissões e fechamento de lojas, Tok&Stok deve recorrer à recuperação judicial

Empresa de móveis e decorações enfrenta crise e acumula dívidas, assim como a Americanas e outras grandes varejistas do país

Depois de passar por uma ação de despejo e, agora, com um pedido de falência em análise pela Justiça, a Tok&Stok realiza um processo de reestruturação financeira, para tentar se manter em pé. Demissões de funcionários e executivos e o fechamento de lojas são medidas já adotadas pela empresa, que pretende permanecer no mercado, apesar da dívida estimada em R$ 600 milhões.

Entrar com um pedido de recuperação judicial é uma possibilidade que não foi descartada pela diretoria da varejista. Ele pode evitar que seja decretada a falência, solicitada pela consultoria de serviços de tecnologia Domus Aurea em 19 de abril, junto à 3ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo (SP).

A prestadora de serviços alega que a Tok&Stok lhe deve R$ 3,8 milhões, dívida que está com o pagamento atrasado. Outra forma de evitar a falência é quitando esse compromisso.

Para Fábio Sobreira, analista-chefe e sócio da Harami Research, a empresa de móveis e decorações precisa mostrar para o juiz, o mercado e os consumidores que tem condições de continuar funcionando. “Para isso, vai ter de negociar com fornecedores, ou a dívida vai aumentando, deixando um lastro muito grande de credores e outras pessoas insatisfeitas, e não é esse o papel de uma empresa na sociedade”, afirma.

Segundo o especialista, o funcionamento das empresas está condicionado à sua capacidade de honrar compromissos. “Cada uma tem que cumprir suas obrigações e, para as que não cumprem, existe o pedido de falência feito pelos credores”, explica.

“Toda companhia tem o objetivo de evitar processos desse tipo, não quer ficar contestando as ações, que são bem complicados. A gente sabe que não é fácil para nenhuma empresa se livrar de uma recuperação judicial, muito menos de pedidos de falência”, diz Sobreira.

Ele fala que os processos de falência têm várias etapas, que começam com a petição inicial, passam pela citação do devedor, contestação, verificação de crédito, assembleia, eleição de um administrador e outras, até chegar ao encerramento, quando o juiz dá a sentença. “De maneira geral, o prazo para contestar é de 15 dias, e o credor, depois, tem mais 30 dias para apresentar as habilitações de crédito que ele tiver, ou seja, temos mais um tempo ainda para saber o que vai acontecer”, avalia.
 
Fechamento de lojas e descontos de 50%

Para conter gastos, uma das medidas da empresa é fechar algumas lojas. A estimativa é que sejam encerradas as atividades de 17 unidades de grandes capitais, como Fortaleza, Teresina, Recife, Natal, Vitória, Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília.

Na primeira quinzena de abril, dois dos três pontos de vendas da marca em Fortaleza anunciaram o fechamento e, para liquidar os estoques, realizaram promoções de 50% de descontos nos produtos, com possibilidade de parcelamento das compras em até seis vezes no cartão de crédito.

A unidade que continua em funcionamento na capital do Ceará é a que fica no shopping RioMar Fortaleza. As promoções se restringiram às duas lojas em processo de fechamento, no Iguatemi Bosque e no bairro Água Fria.

Também em abril, uma das lojas da Tok&Stok em Recife fez uma liquidação ‘às pressas’, logo depois que foi anunciado o encerramento das atividades no local. Todo o estoque foi vendido pela metade do preço.

Esse movimento ocorre com a volta da empresária Ghislaine Drubule à diretoria executiva da companhia, que foi fundada por ela em 1978, com o marido Régis.

Entenda a crise

O primeiro indício de crise surgiu no dia 15 de fevereiro, quando o fundo imobiliário Vinci entrou com uma ação de despejo contra a Tok&Stok, alegando que a companhia ainda não tinha feito o pagamento do aluguel de um galpão, que fica no condomínio Extrema Business Park I, localizado em Extrema (MG), referente ao mês de janeiro (com vencimento no dia 6 de fevereiro).

Em comunicado divulgado na época, o Vinci informou que a locação do imóvel é exclusiva da Tok&Stok, que o aluguel devido representa cerca de 14% das receitas totais do fundo, e cerca de 11% da área bruta locável detida por ele. Ressaltou que o contrato vigente ainda tinha garantia por meio de seguro fiança, com cobertura equivalente a 12 aluguéis.

Desde 2020, quando a Tok&Stok alugou o imóvel, foi a primeira vez que o aluguel não foi pago. O valor foi depositado em juízo pela varejista. Em 24 de março, a Vinci Real Estate, gestora do fundo, decidiu retirar a ação de despejo movida contra empresa do setor de móveis. O depósito no valor de R$ 2,092 milhões foi suficiente para quitar o aluguel vencido e as custas judiciais do fundo.

Depois desse episódio, a crise pela qual a Tok&Stok passa se tornou pública. Assim como a Americanas, a companhia contratou a consultoria Alvarez & Marsal para avaliar a situação de seu caixa, propor estratégias para a renegociação das dívidas e implantar uma reestruturação financeira.

As causas

É consenso no mercado que o crescimento da demanda no início da pandemia da Covid-19, quando as pessoas tiveram que ficar isoladas, levou empresas como a Tok&Stok a criar expectativas que não se concretizaram. Com a necessidade de deixar as casas mais confortáveis, as vendas aumentaram naquele período, mas desde então, os resultados decepcionam.

“Houve uma certa empolgação durante a pandemia porque muita gente começou a comprar móveis, já que ia ficar mais em casa. Além disso, como estávamos numa pandemia, era prudente aumentar os estoques, para evitar o desabastecimento, mas isso também aumentou os custos, e faltou capital de giro quando as atividades começaram a voltar ao normal. Aquele estoque todo ficou lá, empatado”, resume Sobreira.

“A Tok&Stok vem de um longo processo de acúmulo de dívidas, que acabou se acentuando com débitos de curto e médio prazo. Ela até tentou algumas formas de capitalização, que foram frustradas”, conta Antônio Sá, sócio-fundador da Amicci, empresa de desenvolvimento e gestão de marcas próprias.

Ele também destaca como complicadores o crescimento da concorrência: “empresas importantes, como a Mobly e a Westwing, com uma pegada mais digital, tiveram uma aceleração muito forte. A Tok&Stok não conseguiu fazer a transformação digital que tanto desejava e que era importante”, avalia o especialista em varejo.

Sá afirma que, durante a pandemia, as dificuldades da varejista para digitalizar suas operações tiveram um grande impacto, o que foi piorado pelo alto custo de manutenção das lojas físicas, dando início ao fechamento de algumas unidades.

A reação da empresa

Fábio Sobreira, da Harami Researcha, fala que a situação da Tok&Stok não é diferente da de outras varejistas do Brasil. “O crédito está muito caro, o que dificulta os empréstimos. Está caro para vender, está caro para o cliente comprar e para o comerciante fazer capital de giro. E tudo isso porque as taxas de juros estão altas, o que vem prejudicando o varejo como um todo.”

Das medidas adotadas pela empresa até o momento para tentar superar a crise, algumas são vistas com desconfiança pelos especialistas. Uma delas é a contratação da consultoria Álvares e Marçal. “É a mesma que atua no processo de recuperação judicial da Americanas, o que já é um pouco estranho, nos leva a questionar: por que essa, né? Além disso, no ano passado, o ex-presidente da Etna [que encerrou suas atividades em março de 2022] assumiu o cargo da CEO da Tok&Stok. Não parece muito acertada a decisão de contratar pessoas que, na memória da população, estão vinculadas a empresas que não deram certo”, analisa Sobreira.

“Acredito que seria mais positivo ‘pegar’ pessoas com trajetórias um pouco mais vitoriosas, ou pelo menos, que estiveram em processos que mostrem mais confiança para o mercado”, completa.

Antônio Sá, da Amicci, também comenta a rápida passagem de um executivo pela companhia: “Ele foi contratado para fazer esse ‘turnaround’ [processo que visa a mudança de desempenho de uma empresa, para tirá-la do declínio e colocá-la em crescimento] em 2021, mas ele saiu pouco depois, sem terminar, e a Tok&Stok não conseguiu superar”, diz.

Para ele, as decisões mais recentes, como fazer demissões em massa, aliviam o caixa, mas “criam dificuldades na operação de uma rede de varejo”.

“Essa companhia está em uma situação muito delicada, é uma empresa que, de certa forma, já não vinha operando bem, o que foi piorado pela pandemia, continua com uma dificuldade muito grande de caixa. Ela já perdeu a janela do IPO [sigla em inglês para Oferta Pública Inicial, processo pelo qual uma empresa tem seu capital aberto, ou seja, suas ações passam a ser vendidas ao público em bolsa de valores], e não apareceram outros interessados em reinvestir”, fala Antônio Sá.

Fonte: R7 Notícias

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