Para especialistas, pior ainda está por vir, diante de fatores como crise de crédito e juro elevado
O crescimento do número de pedidos de recuperações judiciais (RJ) e de falências reflete um cenário conturbado, com a contínua alta dos índices de inadimplência, a manutenção do juro em patamares elevados, a inflação ainda elevada, o crédito mais restrito e a desaceleração da atividade. Especialistas alertam: o pior ainda está por vir.
Dados da Serasa Experian mostram que, no primeiro trimestre, houve um aumento de 37,6% nos pedidos de recuperação frente ao mesmo período de 2022, enquanto as solicitações de falências subiram 44,1%. Em termos de RJs e falências decretadas, os números alcançam, respectivamente, 51% e 3,7%.
O levantamento, antecipado ao Valor, as solicitações tanto de recuperações como de encerramento das atividades de empresas no Brasil continuaram a crescer em março. No terceiro mês do ano, a quantidade de pedidos RJs teve aumento anual de 6,8%, enquanto a de falências aumentou 40,6% na mesma base. Em fevereiro, o quadro já havia mostrado o momento desfavorável às pessoas jurídicas, com avanço de 87,3% no número de pedidos de recuperações e de 38,7% para falências na comparação com o mesmo mês de 2022.
Chama a atenção ainda a grande expansão de pedidos de recuperação extrajudicial, onde os acordos entre credores e devedores ocorrem fora do ambiente judicial, que aumentaram 900% no primeiro trimestre na comparação com os três primeiros meses de 2022. Da mesma maneira, as homologações de REs cresceram 750% entre janeiro e março de 2023 na mesma base.
O movimento atinge companhias de todos os portes. As solicitações de RJ para micro e pequenas empresas cresceram apenas 1,7% em março na comparação anual. No caso das médias, a alta foi de 4,5%. E entre as grandes, a expansão atingiu 57,14% frente a março do ano passado.
Porém, no primeiro trimestre, o aumento anual de solicitações de recuperações entre as micro e pequenas empresas foi de 44,8%. Para as médias, o índice chegou a 9%. E no caso das grandes companhias, os pedidos subiram 94,44%. Em números absolutos, as micro e pequenas puxam a lista com 181 pedidos de recuperações no primeiro trimestre. As médias registraram 73 solicitações e as grande, 35.
Nos primeiros meses do ano, recorreram à proteção contra credores nomes como Americanas, Grupo Petrópolis, Tokstok e Oi — esta, pela segunda vez.
“Tivemos desde setembro de 2021 o início de uma tendência de crescimento da inadimplência”, afirma o economista-chefe da Serasa, Luiz Rabi. “Atravessamos 2022 com curva ascendente em praticamente todos os meses, com a taxa de inadimplência crescendo por praticamente 15 meses seguidos. Era natural que em algum momento esse cenário levasse a uma situação de insolvência, que é o que está acontecendo.”
Segundo Rabi, 2023 começou com a maior quantidade de pedidos nos últimos três anos, e o economista diz ver um caminho para a aceleração das decretações de falências. “Estamos nessa fase anterior do aumento de falências, porque muitas empresas se percebendo em dificuldades não têm outro recurso senão entrar num processo de RJ”, diz. Nem todas conseguem se recuperar.
O sócio-fundador da Pantalica Partners e especialista em recuperação e reestruturação de empresas, Salvatore Milanese, afirma que já era esperado um aumento de 50% de pedidos de RJ neste trimestre comparado com aos três primeiros meses do ano passado. “No segundo trimestre de 2023, prevemos que haverá aumento estrondoso das solicitações de recuperações porque muitas empresas não vão aguentar”.
Para o executivo, as companhias brasileiras vivem um cenário peculiar. “Estamos em uma situação em que há empresas no Brasil que produzem e geram lucratividade de países desenvolvidos, mas estão pagando juros de subdesenvolvidos e isso não fica de pé”, afirma.
De acordo com o economista da Boa Vista, Rafael Ciampone, “é difícil de imaginar qualquer tendência de reversão neste momento desse cenário de alta da inadimplência das empresas”. Ele enxerga uma piora da pressão sobre as companhias ao longo de todo o primeiro semestre.
Mesmo uma eventual sinalização e o início dos cortes da Selic pelo Banco Central no segundo semestre teriam impacto postergado para o fim deste ano ou o início de 2024. “Nosso cenário-base é de queda da taxa de juros básica [no segundo semestre], mas mesmo assim serão cortes pequenos, sobretudo neste ano. A Selic é componente muito forte da taxa de juros final para as empresas, então teremos um cenário ainda difícil até o fim do ano.”
O professor da Escola de Economia e Administração da FGV, Joelson Sampaio, lembra ainda que a crise de crédito trazida pelo aumento da inadimplência e amplificada pelos eventos de recuperação judiciais recentes, como Americanas, Oi e Petrópolis, pode ser um componente a mais de pressão. “A restrição do crédito pode intensificar mais a piora da estrutura de capital das empresas”, diz.
O sócio da holding MGC, especializada em recuperação de crédito, Eduardo Martins, chama a atenção para o fato de que, com a Selic em 13,75% ao ano, o custo de carregamento da dívida supera 20% anuais. “Uma vez que toda operação de crédito [para pessoa jurídica] é tomada com base no CDI, o encargo está na estratosfera e dificilmente uma companhia vai captar abaixo de CDI mais um spread de 4%, isso quando a empresa é premium.”
Segundo Milanese, da Pantalica, “o crédito não estava tão restritivo até as grandes RJs pipocarem e, como os bancos tiveram de provisionar valores muito elevados, agora estão olhando só empresas que têm garantias para oferecer”. Mesmo assim, afirma, as exigências têm sido muito elevadas. “Para pegar R$ 10 milhões de linha, por exemplo, tem de deixar R$ 30 milhões em garantia”, diz. “E não obstante as garantias, [as empresas] pagam taxas de juros elevadas, então acho que muitas companhias, simplesmente, não vão ter como adimplir as obrigações.”
Diante de um cenário com múltiplos fatores de pressão, a tendência é de uma elevação de RJs e falências. “A curva de insolvência vai continuar a inclinar para cima e, mesmo que a de inadimplência pare de subir, vamos ver ainda mais alguns meses de curva de insolvência ascendente. O número está acelerado, com um crescimento de praticamente 50% na comparação anual.”
Na visão de Rabi, da Serasa, este ano “deve encostar nos mil ou acima de mil pedidos de RJs”. Apesar do cenário difícil, o número ainda está muito longe do recorde visto durante entre 2015 e parte de 2017. Na época, as solicitações alcançaram o pico de 2 mil em um ano.
Milanese, da Pantalica, também enxerga um cenário longe do período mais crítico, de sete anos atrás. “Vamos nos lembrar aqueles foram três anos de PIB negativo no Brasil e o pico foi alcançado numa situação de recessão”, diz. Conforme o executivo, “o país não está em recessão, as empresas estão sofrendo por conta do juro alto, inflação e menor capacidade de gerar lucro para pagar obrigações”.
Ciamponi, da Boa Vista, lembra que na situação de agora não se trata de contração do PIB, mas de crescimento baixo. Para ele, a onda atual não deve repetir a de 2015 e 2016, quando o país viveu “a pior recessão da história republicana”, mas o pior momento deste ano ainda não chegou.
Na leva atual de RJs, o peso não tem vindo necessariamente do crédito mais restrito, observa Martins, da MGC. Os balanços das companhias que têm feito as solicitações mostram que “a participação dos fornecedores é cada vez maior, quando tem endividamento de curto prazo e fornecedor apertando tem o agravamento da situação”. segundo ele, isso acaba puxando os próprios fornecedores para a recuperação judicial.
Na avaliação e Sampaio, da FGV, alguns setores se mostram mais vulneráveis ao cenário atual de inadimplência. “Vejo, principalmente o varejo sofrendo muito, mas também a indústria mais afetada”, considera o acadêmico. “Mas vejo o setor de serviços menos exposto”, diz o pesquisador.
Fonte: Inteligência Financeira