Credores da Light assinam ‘carta aberta’ culpando gestão da empresa e defendendo troca de comando; veja íntegra

Um grupo de credores que detêm R$ 5 bilhões em títulos de dívidas (debêntures) da Light recorreu à Justiça ontem na tentativa de anular a recuperação judicial concedida pela 3ª Vara Empresarial. No recurso, os investidores alegam terem sido vítimas de um “modelo inusitado de calote” que coloca em xeque a segurança jurídica, como noticiou o colunista do GLOBO Lauro Jardim. Paralelamente, o grupo vai divulgar, nesta quarta-feira, uma carta aberta afirmando que “a responsabilidade pelo futuro da Light deve ser cobrada exclusivamente da gestão atual” e acusando a companhia de ter ignorado “inúmeras tentativas” de negociação.

O documento faz parte da estratégia dos credores de se posicionarem de maneira unificada contra os executivos da Light, cujo CEO, Octavio Lopes, os classificou de “pequeno grupo” com alto grau de “agressividade”. Também buscam rebater críticas de representantes da empresa que os acusam de ignorar riscos ao fornecimento de luz.

“Como investidores da empresa, somos os maiores interessados em que a Light tenha saúde financeira e ofereça os melhores serviços à população. Em outras palavras, assim como todos os clientes da Light, nós, o grupo de credores, precisamos que o fornecimento de energia à região metropolitana do Rio de Janeiro siga em plenitude e, portanto, a operacionalidade da empresa, precisa ser encarada com seriedade. Nesse sentido, é importante que todos entendam que a responsabilidade pelo futuro da Light deve ser cobrada exclusivamente da gestão atual da mesma.”, diz um trecho do documento (veja a íntegra abaixo).

Na carta, os investidores dizem representar “mais de três milhões de investidores pessoas físicas que, por meio de fundos de investimentos ou diretamente”, financiaram a Light.

— Antes, a Light tinha um problema de perdas e de redução do mercado cativo. Hoje, a Light dinamitou o acesso ao mercado de capitais, depois de sua gestão ter optado por uma judicialização que se tornou irreversível. A gente tem que pensar em como restabelecer esse acesso, e isso inevitavelmente vai ter que passar pela troca de gestão — disse Alexandre Muller, sócio da gestora JGP, que integra o grupo de credores.

O argumento dos credores é que, por ser uma concessionária de serviço público, a Light não poderia recorrer à recuperação judicial. Para contornar o impedimento legal, a companhia fez o pedido por meio de sua holding.

Embora represente donos de R$ 5 bilhões de um total de R$ 7,3 bilhões em debêntures da Light, o grupo está “em contato diário com bancos e bondholders (donos de títulos internacionais)”, sustenta Cláudio Brandão Silveira, sócio da BeeCap, butique financeira que representa os credores.

Luiz Roberto Ayoub, um dos advogados que representam a Light, negou que a gestão da companhia tenha se recusado a negociar com credores e defendeu a estratégia jurídica da companhia.

— Os credores não compreendem que o dinamismo social puxa o Direito a reboque, e a situação permite que a RJ seja aplicada, já que nenhum dispositivo legal está sendo ferido. O que não pode entrar em RJ são as despesas intrassetoriais das concessionárias responsáveis pelo abastecimento, e elas estão protegidas. Caso contrário, os credores atacariam a concessionária e acabaria a luz. Todo mundo tem que se solidarizar nessa hora — disse o sócio do escritório Galdino & Coelho, Pimenta, Takemi, Ayoub Advogados.

Veja abaixo a íntegra da carta

Somos um grupo que financiou, via fundos de investimento ou diretamente, as concessionárias de energia das empresas do grupo Light – Light Serviços de Energia S.A. (“Light Sesa”) e da Light Energia S.A. (“Light Energia”).

Representamos mais de três milhões de investidores pessoas físicas que, por meio de fundos de investimentos ou diretamente, emprestaram R$ 5 bilhões para a melhoria dos serviços de fornecimento de energia elétrica no Rio de Janeiro e, até o momento, após inúmeras tentativas, não conseguimos dialogar com a gestão da companhia. Por isso escrevemos esta Carta Aberta.

Acompanhamos com preocupação o cenário que se forma a partir da ação dos atuais administradores do Grupo Light, cujo último desdobramento foi o pedido de Recuperação Judicial.

A Light é uma empresa centenária, responsável pelo fornecimento de energia elétrica para aproximadamente dez milhões de pessoas, lares, serviços públicos e privados, indústria e comércio. Todos esses clientes merecem respeito.

Os brasileiros que emprestaram os seus recursos à Light acreditavam que estavam fazendo um investimento em uma companhia idônea. Naquele momento, a Light detinha boa qualidade de crédito e vinha realizando investimentos relevantes na melhoria dos serviços prestados. E ainda, segundo números divulgados pela própria companhia em seu balanço do terceiro trimestre de 2022, não havia nenhuma urgência financeira que justificasse a falta de diálogo e negociação com seus credores.

Desde o final de janeiro deste ano, quando soubemos, pela imprensa, que a companhia contratou uma assessoria especializada em empresas com problemas financeiros, buscamos obter mais informações com a atual administração da Light. Entretanto, a administração da companhia rejeitou todos os pedidos de reuniões com os credores.

A primeira reunião com a companhia aconteceu somente no dia 3 de abril, isto é, após três meses de tentativas de conversas. Na ocasião, a atual administração da Light expôs os seus resultados, e disse que não tinha nenhuma proposta para apresentar aos seus credores.

Após a conversa, em 11 de abril, a companhia ingressou em juízo com um pedido de medida cautelar para suspender por 30 dias a necessidade de pagamento de certas obrigações financeiras, além de solicitar tempo para negociar com os credores, o que surpreendeu a todos, já que ela se recusou a conversar amigavelmente por três meses, não apresentou nenhuma proposta para nossa avaliação e, na sequência, acionou diretamente a justiça, o que demonstra uma incoerência em sua atitude.

Passados mais 30 dias e sem apresentar uma única proposta aos credores, isto é, àqueles que financiam sua operação, a atual administração da Light surpreende mais uma vez, quando, na última sexta-feira (12) decide ingressar com um pedido de recuperação judicial.

Importante ressaltar que desde a descoberta que a Light havia contratado a empresa de assessoria, as ações da companhia caíram mais de 50% na Bolsa de Valores e os títulos de crédito de sua emissão chegaram a desvalorizar 70%, causando grande prejuízo aos investidores.

Considerando esses fatos, nós, que representamos mais de três milhões de investidores, reafirmamos o compromisso em defender os seus direitos, na busca de uma solução que seja benéfica para todos: empresa, credores, consumidores e a sociedade em geral.

Como investidores da empresa, somos os maiores interessados em que a Light tenha saúde financeira e ofereça os melhores serviços à população. Em outras palavras, assim como todos os clientes da Light, nós, o grupo de credores, precisamos que o fornecimento de energia à região metropolitana do Rio de Janeiro siga em plenitude e, portanto, a operacionalidade da empresa, precisa ser encarada com seriedade. Nesse sentido, é importante que todos entendam que a responsabilidade pelo futuro da Light deve ser cobrada exclusivamente da gestão atual da mesma.

Importante frisar que o pedido de recuperação judicial da Light causa um sentimento de insegurança nos agentes de mercado, o que por sua vez contribui para uma contração relevante na oferta de crédito e aumento dos custos de captação, o que prejudica futuros investimentos em todos os setores da economia, especialmente na infraestrutura, segmento tão importante para o desenvolvimento do país.

Diante do exposto, concluímos esta carta afirmando que seguiremos na defesa do cumprimento da lei e na abordagem construtiva de uma solução junto a todas as partes interessadas. Solução esta que deve priorizar a segurança do atendimento aos consumidores, assim como o cumprimento das obrigações financeiras por parte da Companhia. Permaneceremos vigilantes e, sobretudo, confiantes na justiça e nos reguladores, na certeza de que atuarão de forma diligente e responsável na resolução desse caso. / Comitê de gestoras de fundos investidores em debêntures da Light

Fonte: O Globo

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